domingo, 24 de abril de 2016

É mesmo vocação

O meu primeiro estágio foi em contexto hospitalar e detestei estar num gabinete, com os utentes a tratarem-se por Doutora e a resolver coisas ao telefone e via email.
Depois fui trabalhar com emigrantes (muitos deles ilegais) e refugiados e amei. Não sabia se tinha amado o tema, a problemática, aquelas pessoas em especifico ou o facto de não parecer uma secretaria. Ontem eliminei toda e qualquer dúvida: eu gosto é de pessoas e trabalhar no terreno!
Ontem fui estagiar com toxicodependentes e prostitutas.
Percebi que afinal tinha muitos preconceitos. Achei que iria encontrar pessoas agressivas, que não me iria sentir segura. Foi o oposto. Os toxicodependentes são educados e sinceros, conscientes do seu problema. Todos sem excepção foram educados, preocupados em cumprimentar-me de mãos limpas, uns mais envergonhados que outros, alguns injectando-se enquanto falavam comigo, outros consumindo em garagens cheias de urina e coco.
Asssim que cheguei ao local de estágio, avisaram-me logo "Vais vê-los a consumir à tua frente, a não acertarem as veias, os braços a escorrerem sangue, sentados na sua própria merda. O cheiro por vezes é complicado e eles vão-te estender as mãos com sangue. Faz-te impressão?". E eu fui sincera, disse que não sabia. Nunca tinha visto nada semelhante a esta realidade, logo não fazia a minima ideia de como me sentiria. Felizmente, correu muito bem. Os cheiros não me foram insuportaveis, vi-os a espetarem a seringa, entrei em fábricas abandonadas, vi-os de facto em atolados em merda, urina e doses espalhadas em seu redor. Fiz questão de tocar em todos, a mão do ombro, um aperto de mão. E não senti nojo. Nunca. E é tão bom saber que não me esforcei para os compreender, que não tive de respirar fundo para entrar no mundo deles e chegar-lhes. Foi maravilhoso compreender que realmente esta é a minha vocação e que segui o rumo certo.
Terminei o dia com prostitutas e confesso que também as imaginava de outro modo. São bastante "normais" e discretas. Pareciam todas donas de casa bem comuns. Contrariamente ao que esperava encontrar, não são tristes nem parecem carregar o fardo de uma vida destas. São todas animadas, falam de forma banal dos seus clientes.
Ontem foi mesmo um choque de realidade incrivel, ouvi historias de vida surpreendentes e em nenhum momento senti pena, nojo ou misericordia. Senti respeito por outro ser humano e um enorme prazer em poder conhece-los.

2 comentários:

  1. Acho que as prostitutas não me fariam confusão até porque tenho essa mesma ideia delas: grande parte terá um ar normal, uma vida, filhos para criar. Já os toxicodependentes, acho que não conseguiria. Não tenho estômago para aquilo que descreves. :)

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  2. Também já trabalhei (quer dizer, foi estágio) com toxicodependentes e posso dizer que apesar de ser emocionalmente cansativo, sentia-me muito bem a ser útil para aquelas pessoas :)

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