quarta-feira, 30 de abril de 2014

Coisas surreais da Vida

2010. Foi o último ano em que falei com o meu Pai.
Eu fui um percalço na vida dele. Ele era aventureiro, gostava de viajar. Suponho que herdei tudo isto dele. Mas o inesperado surgiu. Uma irresponsabilidade. Engravidou uma das várias namoradas que tinha e foi obrigado a casar. Meses depois nasci eu. A minha mãe tinha 19 anos e ele 25. Dois anos depois nasceu o filho com Trissomia 21 que ele nunca aceitou. Como não queria ser pai, muito menos de uma criança diferente, maltratava-nos. Sofremos de violência psicológica durante largos anos. A visão dele era completamente disforme. Ele acreditava que ser Pai era dar dinheiro, garantir as questões materiais. A esse nível nunca nada nos faltou e tive o que os meus amigos não tiveram. Dinheiro nunca foi um problema. Mas e o resto? Amor? Um simples abraço ou um “gosto muito de ti, filha”? Esta educação teve marcas profundas em mim, hoje em dia sou uma adulta fria com dificuldade em expressar os sentimentos.
Em 2010, tinha eu 21 anos, achei que finalmente era hora de me ver livre deste tipo. Após mais umas situações graves e tendo o meu irmão já falecido, cortei relações com o meu pai e abri mão do dinheiro e pensão que ele me teria que dar. Logicamente, a minha qualidade de vida mudou muito. Congelei a matricula na Universidade e lancei-me à vida. Trabalhei como empregada doméstica em Madrid, fiz vários part-times e lá fui sobrevivendo.
Sinceramente, perder o dinheiro foi a melhor coisa que me aconteceu. Eu era mimada, parvinha, arrogante, pisava os outros. Achava-me melhor, mesmo não passando de um coração gélido que só tinha uma boa conta bancária. Tornei-me melhor pessoa longe do meu Pai, do seu dinheiro e daquele padrão doente e violento que ele gerou.
Só não contava que ele surgisse agora na minha vida.
Na quarta-feira passada, faz hoje 1 semana exactamente, ele convidou-me para jantar. Fiquei muito surpreendida e nervosa! Sempre o considerei uma reencarnação do demónio, o maior balde de merda à face da terra. Que quereria ele comigo? Aceitei, com os dois pés atrás e muita ansiedade.
Quando chegamos ao restaurante e nos olhámos, achei tudo tão estranho e ridículo que tive um ataque de riso. Uma estupidez, eu sei. E lá iniciamos a conversa… Eu acusei-o de tudo, relembrei o passado doloroso, ataquei logo. E pela primeira vez na vida, deixando-me surpresa, ele admitiu todas as agressões, as ameaças, os maus tratos, a porcaria de Pai que foi. Pediu perdão e diz-se muito arrependido. Pediu-me, implorando até, para que lhe desse a oportunidade de termos uma relação, ainda que sabendo não a merecer. Fiquei confusa… nunca tivemos uma ligação por mais mínima que fosse. Nunca o vi como Pai. Não tenho sentimentos por ele. Se me tornei numa mulher sem a ajuda e companheirismo dele, não há-de ser certamente agora que precisarei de uma figura paternal. Mas algo me deu pena e, seguindo o meu coração e acreditando que todos podemos mudar, decidi dar-lhe uma chance. Muito desconfortável, desconfiada mas dei-lhe uma oportunidade.
Já lá vai uma semana e não posso dizer que esteja a correr mal. No Domingo até me convidou para almoçar com ele e o meu avô e foi bastante agradável. Conversamos e rimos como nunca aconteceu em 25 anos.
Na segunda-feira tomamos o pequeno almoço juntos e hoje almoçamos. Creio que esta estranha e repentina mudança se possa dever a um novo amor. O meu Pai saiu de casa oficialmente na altura que começou a namorar uma brasileira prostituta. Ela andava à caça de algo seguro e ele caiu. Tirou-a do bordel e lá foram viver juntos. Essa “senhora” é de muito baixo nível, peixeira, provocou durante muito tempo a minha mãe sempre que a via. Mas agora, parece que o meu Pai entendeu a porcaria onde se meteu e conheceu uma senhora de outra cidade, viúva e que, pelo menos, parece decente, correcta, pacata. Está a tentar ver-se livre da brasileira que se recusa a sair de casa, casa que é dele, e quer iniciar uma relação com esta outra senhora. Talvez tenha sido ela a meter-lhe algum juízo e a fazê-lo entender que deveria cuidar da filha, a única que lhe resta. Seja como for, ele está interessado em mim, pelas coisas que faço, que gosto, pela primeira vez desde que nasci. Pergunta pelo Eros, quer saber da Associação Animal, questiona-me sobre o Reiki, quis até levar-me a um psicólogo porque me nota muito em baixo e fala-me de relações e do João. Nunca ele mostrou qualquer tipo de afecto ou sensibilidade e para mim tudo isto é novidade. No outro dia ligou-me e disse “Estou? Ravenzinha? Filhota?”. Comecei logo a rir, olhos esbugalhados, porque esta, sendo a linguagem natural de um pai para uma filha, nunca me foi dita.
Estou muito impressionada com este novo Pai mas começo a ganhar alguma confiança na sua mudança. Espero não me espalhar ao comprido.

4 comentários:

  1. Fico TÃO FELIZ! Acredita que as pessoas podem mudar. Para melhor. Podem ganhar juízo. Eu sei que vai custar se ele te magoar... mas tem fé... dá-lhe uma segunda oportunidade.

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  2. Oh querida Raven! Espero tão sinceramente que isto seja uma verdadeira mudança livre de intrigas e segundas intenções! As pessoas podem mesmo mudar! Talvez conhecer essa pessoa lhe tenha feito bem, talvez ela o tenha ajudado a perceber o bem e o mal, talvez a idade lhe tenha dado a maturidade que tanto lhe faltou! Ele errou muito, é um facto, mas se está disposto a mudar e a compensar os erros há mais é que o incentivar! :)

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  3. Que bom voltar ao teu espaço e ver que a tua maturidade continua abismalmente a crescer.

    Este post deixou-me a abanar a cabeça para cima e para baixo. Adorei !

    PS: tens de actualizar aquilo ali ao lado "personagens da minha vida" Progenitor: com quem não falo

    Abraço de energia ! Namastê.

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    1. Ainda ontem pensei em ti! Que coincidência! Estranhava a tua ausência.
      Não sei se sou madura mas fui forçada, com esta biografia intensa, a moldar-me de forma incomum.
      namaste (mais do que nunca, entrei mesmo no negócio da espiritualidade)

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